Conto: Missão de amor nas Missões, por Leonardo Dias

O conto de hoje tem cheiro de mato e amor pra vida toda, sob o cenário da região das Missões, no noroeste gaúcho. Leonardo Dias é o nome do autor que assina esse conto romântico. Ele começou a escrever para a internet em 2008. Já teve dois textos publicados nos jornais locais Diário de Santa Maria e A Razão e no Alicante News, jornal digital da Espanha. Além de ser poeta e contista, Leonardo é locutor esportivo. Já narrou vários campeonatos importantes como os Jogos Olímpicos de Londres. Contrariando a máxima de “sorte no jogo, azar no amor”, ele concilia bem literatura e esportes e é um grande entusiasta tanto de um, quanto de outro. Fiquem com o texto e se preparem para muitos suspiros. – Luciana Minuzzi.

Contato do autor:

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Imagem: British Library.
Imagem: British Library.

Missão de amor nas Missões

Por Leonardo Dias

Nos rincões das Missões, lá pela Redução de Santo Ângelo Custódio, vivia a Tereza. Por ali, também morava o Augusto. Duas crianças, duas almas, um destino. Se tudo fosse combinado, não daria tão certo como deu. Se tudo fosse planejado, além de não ter graça, não seria como o destino impôs. E quando o destino manda rumo à nossa felicidade, quem somos nós para desobedecer? Eles não foram ninguém para isso e foram tudo para eles. Tudo para o amor. O literal, da letra ‘’a’’ a letra ‘’r’’, onde nenhuma palavra em nenhum alfabeto ou idioma conseguiria descrever. Eram vizinhos predestinados. Colegas que seriam seus melhores professores e alunos.

Tereza era três meses mais velha. Filha única, a joia da família. Cabelos claros, um pouco cacheados. Augusto era o mais novo de cinco filhos, sendo o único homem. As meninas, dois pares de gêmeas, eram amigas de Tereza, mas ela sempre teve uma preferência por Augusto para as brincadeiras. Idade, estatura, pensamentos. Tudo fazia eles ficarem juntos, até mesmo na ordenha da vaca, o recolher do gado, o churrasco, a hora do chimarrão. Augusto era o único que tinha liberdade para perguntar tudo o que quisesse. Tereza era a única que podia mexer nos cabelos lisos e pretos feito café de Augusto. Já nasceram namorados. A oficialização da conquista foi logo com dez anos, sentados na grama, olhando para o céu azul do Noroeste gaúcho. Era um sábado frio, com o vento fazendo questão de soprar forte. Era o incentivo da natureza para que um buscasse a ajuda do outro para se aquecer. Lentamente, vendo que as mãos delas estavam gélidas, ele se aproximou.

– Tu tá gelada, hein? Parece um cadáver.

– Credo, guri! Tem tanta coisa pra me comparar, vem logo com um cadáver.

– Por falar em cadáver, sabe…

– O quê?

– Sabe o céu?

– Sim, né?!

– Tu sabe onde ele termina?

– Meu pai disse que ele não tem fim.

– Assim como o tanto que eu gosto de ti.

Do branco do frio ao vermelho da vergonha. Do coração. Do amor. Ela disse:

– Duvido que tu gostes tanto assim de mim. Até me chamou de cadáver.

– Chamei porque eu quero tá contigo até o dia em que eu morrer.

Ela ficou sem reação. Só pegou firme na mão dele, encostando a cabeça no ombro. Depois de um tempo, perguntou.

– Promete me aquecer no frio, me carregar no colo, secar minhas lágrimas, rir comigo até quando não tiver graça, ser pai dos meus filhos, me aguentar até o meu fim?

– Prometo. E tu promete, todo dia, me encontrar com um sorriso, dormir e acordar do meu lado, ser minha melhor amiga, minha amante, minha prenda, a mulher da minha vida até a hora de eu partir?

– Eu acho que já sou. Prometo. Juro.

Não teve beijo, nem ao menos um abraço. Pra quê? O amor não é só isso. O leal e valoroso amor é feito em qualquer atitude, nos pensamentos. É a palavra cumprida, o pequeno gesto, a atitude. Não falaram em dinheiro, em posses, em condições. Precisaram apenas do coração aberto ao que é o amor, entendendo o que ele é e sentindo o que ele causa melhor do que muita gente com mais experiência.

Depois de jurar, ela deitou no colo dele. E se aqueceu. E amou-o ainda mais. E eles entenderam que não era algo de criança. Já eram adultos, mesmo que em corpos infantis. Entenderam o que é fidelidade, mutualidade, eternidade.

Um dia, depois de uma vida inteira, foram ao mesmo local onde tudo iniciou. Como ficou de herança, eles sempre passavam ali, mas nunca repetiram o gesto. Na ocasião, era um domingo. O clima não era tão frio, mas os 80 anos de ambos exigia uma atenção especial e um casaco não foi dispensado.

– Friozinho, né? – disse ela.

– É… – respondeu Augusto, com a respiração um pouco ofegante.

– Lembra que foi o frio que fez a gente ficar juntos? – pergunta Tereza.

– É? Sabe que eu não reparei? Eu queria mesmo era ficar contigo.

– Tu sempre muito despercebido! Mas espertinho. – falou ela, sorrindo.

– Me lembro que tu botaste a tua cabecinha no meu ombro, mas não chorou.

– Bem que tu poderia fazer isso, né? Até hoje tu não retribuiu.

E ele encostou a cabeça no ombro dela. Olhou para o horizonte missioneiro e fechou os olhos. Lembrou dos cabelos claros, do jeito doce, da menininha pela qual se entregara desde sempre e para sempre, que estava ali para tudo. Fechou os olhos e recordou as lutas, as tristezas, as alegrias, os quatro filhos, a paz de um amor tranquilo, verdadeiro, imutável. Suspirou e ali ficou. Foi seu último olhar, suas últimas lembranças. Ela olhou e viu que ele tinha partido. Partiu repentinamente e ao lado da amada. Ela chorou, mas não totalmente de tristeza. Cumpriram o que prometeram um ao outro. Uma história dessas poderia render um conto. E rendeu.

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